Poucas horas depois de um breve tiroteio de barricada no alto da Avenida e de um lacónico bombardeamento proveniente de uma insubordinação de marinheiros a bordo de um navio de guerra, proclamava-se perante Lisboa attonita e, immediatamente depois, perante a passividade do paiz inteiro, o triumpho dos revolucionários.
Este desenlace quasi incruento é em sua apparente superficialidade o trágico desmoronamento instantâneo de todo um velho mundo. É o reviramento, com o de dentro para fora e com o debaixo para cima, de uma sociedade inteiramente desarticulada. É uma nação ferida de morte na continuidade da sua tradição e da sua historia. Assim o affirmam os triumphadores, principiando expressivamente por arrancar do pavilhão que cobria a nacionalidade portuguesa a coroa real, mais da nação que de qualquer rei, pois que foram os nossos antepassados, ricos homens e filhos d’algo, fundadores das cinco grandes gerações da nossa linhagem, — os Sousões, os Braganções, os da Maia, os de Baião e os de Riba Douro, — os que puzeram essa coroa na cabeça de Affonso Henriques para assim assegurarem inviolavelmente, perante o respeito do mundo, a autonomia e a independência da pátria que elles, com o seu braço, edificaram.
(Ramalho Ortigão, Últimas Farpas, Lisboa: Aillaud, 1917, pp. 14-15)
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