Wednesday, March 23, 2011

INCRUENTO TRIUNFO DOS REVOLUCIONÁRIOS: RAMALHO ORTIGÃO SOBRE A IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA


Poucas horas depois de um breve tiroteio de barricada no alto da Avenida e de um lacónico bombardeamento proveniente de uma insubordinação de marinheiros a bordo de um navio de guerra, proclamava-se perante Lisboa attonita e, immediatamente depois, perante a passividade do paiz inteiro, o triumpho dos revolucionários.

Este desenlace quasi incruento é em sua apparente superficialidade o trágico desmoronamento instantâneo de todo um velho mundo. É o reviramento, com o de dentro para fora e com o debaixo para cima, de uma sociedade inteiramente desarticulada. É uma nação ferida de morte na continuidade da sua tradição e da sua historia. Assim o affirmam os triumphadores, principiando expressivamente por arrancar do pavilhão que cobria a nacionalidade portuguesa a coroa real, mais da nação que de qualquer rei, pois que foram os nossos antepassados, ricos homens e filhos d’algo, fundadores das cinco grandes gerações da nossa linhagem, — os Sousões, os Braganções, os da Maia, os de Baião e os de Riba Douro, — os que puzeram essa coroa na cabeça de Affonso Henriques para assim assegurarem inviolavelmente, perante o respeito do mundo, a autonomia e a independência da pátria que elles, com o seu braço, edificaram.

(Ramalho Ortigão, Últimas Farpas, Lisboa: Aillaud, 1917, pp. 14-15)

Saturday, March 19, 2011

QUEM OUTORGOU AOS EUA O PODER DE JULGAR AS OUTRAS NAÇÕES?

http://www.bbc.co.uk/news/uk-12692565


Confesso não estranhar já, nem mesmo por parte do Reino Unido – país que se orgulha das suas vetustas tradições liberais e de justiça – que a casa particular de um dirigente, mesmo que de um suposto tirano em queda, possa ser ocupada sem quaisquer consequências. Com efeito, não só as autoridades britânicas não actuaram, como ainda se congratularam pelo feito, alegando tratar-se de legitimo acto de protesto.

Pergunto-me qual seria a reacção dos ingleses, se a casa de férias da Rainha em Portugal fosse subitamente ocupada por um bando de ‘squatters’ que alegasse, com toda a razão, que a Soberana vive rodeada de luxo quando a miséria e o desemprego grassam entre os seus próprios súbditos, e, face a isto, as autoridades portuguesas viesse bater palmas.

Curiosamente, quando o Coronel Kadafi investiu fortunas no Reino Unido, não apenas com a aquisição de propriedades, mas através da participação em empresas e, até, clubes de futebol, não houve qualquer impedimento por parte das autoridades a que o fizesse.

É claro que as relações internacionais não se compadecem com valores e princípios éticos e morais, regendo-se tão somente por interesses.


"We have no eternal allies, and we have no perpetual enemies.
Our interests are eternal and perpetual, and those interests it is our duty to follow."
(Palmerston, Discurso à Câmara dos Comuns, 1 Mar. 1848)


Mas façamos de conta, só por uns instantes, que o mundo em que vivemos é governado por homens de bem e que as palavras se traduzem em actos...

Outra questão deveras intrigante é a facilidade com que um governante passa de ‘bestial’ a ‘besta’. É claro que o Coronel Kadafi é inimigo dos EUA e por arrastamento da Inglaterra e seus lacaios. Até recentemente, Kadafi era grande amigo da Itália. Ao que parece, o próprio terá financiado a campanha eleitoral de S. Berlusconi, que agora, despudoradamente, lhe voltou as costas.

Afinal, através de que critério se define a bondade de um líder? Pelos vistos, basta que os EUA decrete que determinado indivíduo é um tirano, para que passe a sê-lo de facto, mesmo que os russos ou os chineses digam precisamente o contrário. Assim sendo, é lícito que se pergunte: quem outorgou aos EUA o poder de julgar as outras nações? Visto que não foi o Conselho de Segurança da ONU, só restam duas alternativas: ou foi Deus, ou os americanos são uns prepotentes e usurpadores!